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Tortura nunca mais (não importa onde)

Por Abdon Marinho

Advogado Abdon Marinho.
Advogado Abdon Marinho.

Quando ainda era adolescente, lá pelos anos de 85, 86, e lia compulsivamente, tipo assim, pegar um livro de Josué Montello, como Cais da Sagração ou Tambores de São Luís, e lê-lo de uma ‘sentada’ só, como se dizia. Por esta época caiu em minhas mãos o livro “Brasil nunca mais, trazendo os relatos das torturas do regime militar no nossos pais tendo como organizadores pessoas do porte de Dom Paulo Evaristo Arns, Rabino Henry Sobel, Pastor presbiteriano Jaime Wright e equipe. Comecei a ler mas não consegui avançar muito, acho que não passei da página 50, aqueles relatos todos me enojaram de tal forma que não consegui terminar a leitura. Nunca mais voltei ao livro. Acho até que alguém deu sumiço num volume que comprei tempos depois.

Acho que foi a leitura daquelas poucas páginas, o conhecimento daqueles depoimentos que me fez criar um repugnância intransponível por todo tipo de ditadura e moldar meu posicionamento político desde então.

Hoje, lendo os depoimentos de alguns cidadãos venezuelanos narrando as torturas que sofreram nos porões do regime comandado pelo Sr. Nicolás Maduro, o queridinho do governo brasileiro, voltei a sentir o mesmo asco e revolta que senti com a leitura interrompida sobre a nossa ditadura. Imaginar um jovem de vinte poucos anos ser violentado com um cano de ferro em praça pública, diante de seus colegas é algo indescritível para mim. Os dez depoimentos trazidos pelo semanário são uma amostra da situação pela qual padece os cidadãos do país vizinho e que o nosso país, até por ter apoiado a eleição daquele senhor, teria o dever moral de cobrar a cessação de qualquer violação aos direitos daqueles cidadãos.

O governo brasileiro emudece de forma vergonhosa e quando se manifesta é para colocar-se ao lado do governo torturador. O cinismo da nossa diplomacia é algo tão espantoso que o nosso ministro de relações exteriores, indagado sobre as violações de direitos humanos na Venezuela fez foi dizer que “problemas com direitos humanos acontecem em todos os lugares”. Esse é o nível da nossa diplomacia, o mesmo nível que faz a própria presidente da República reverenciar os irmãos Castro e sustentar com os recursos do povo brasileiro a ditadura cubana.

O Brasil, no momento, com diversas comissões da verdade, revolve o passado do país para passar a limpo nossa história. Fala-se até em revogação da Lei da Anistia para punir os responsáveis pelas violações. Pessoalmente sou contra a revogação da lei – o Supremo Tribunal Federal, na esteira do que entendo já se posicionou contra também –, mas não que se conheça a verdade, que saibamos tudo que aconteceu e que os culpados ganhem, ao menos, o repúdio moral pelo que fizeram.

O que em causa perplexidade é que os mesmos que estão na linha de frente na defesa das punições aos crimes horrendos do nosso passado são praticamente os mesmos que silenciam ante as violações, as torturas no país vizinho. Não vejo nosso governo, o mesmo que revolve o passado por aqui, dizer nada contra as violações e torturas que acontecem no momento. Nenhuma das entidades dizem nada, silenciam de forma vergonhosa, torturam estudantes e a UNE não diz nada, nem a OAB, nem o governo brasileiro, nem ninguém.

Diante de fatos como esse, sou tentado a questionar se o que move o governo brasileiro e as diversas entidades envolvidas nestas comissões, é a busca da verdade ou apenas o revanchismo político. Sim, porque são todos valentes e intransigentes aqui, com relação ao nosso passado mais vergonhoso, mas não dizem nada com relação ao presente tenebroso que acontecendo no outro lado da fronteira brasileira. Será que a tortura acontecida a 30, 40 anos é mais relevante que a que vem acontecendo neste momento e que o Brasil, com sua leniência, é co-participe? Como é possível que brasileiros que vendem todos os dias que foram vítimas de torturas, entre eles a própria presidente, podem silenciar diante de jovens quês estão sofrendo os mesmos horrores que padeceram?

Alguns hão de questionar essa minha cobrança sobre o governo brasileiro. Haverão de dizer que se trata de assunto interno do país vizinho, etc. Compreendo os que pensam assim, entretanto trata-se de uma meia verdade.

O Brasil, como maior país do continente teria a responsabilidade, se não tivesse a política externa conduzida pelo viés ideológico, de se posicionar contra as violações aos direitos humanos perpetrados pelo Sr. Maduro, e com isso influenciar as outras nações vizinhas para que também se manifestassem contra. O silêncio brasileiro fortalece o projeto de ditador e influencia outros projetos idênticos nos demais países da região.

Não fosse a posição do Brasil favorável as torturas que vêm ocorrendo no país vizinho a OEA teria condenado essas práticas. O Brasil preferiu o cinismo, preferiu dizer que violações acontecem em todo lugar. Quer dizer que por que acontecem em todos os lugares devemos entender que a tortura é aceitável? É isso que o governo brasileiro pensa? Se é assim, porque estamos no momento gastando milhões e milhões para revolver o nosso passado?

A responsabilidade do Brasil decorre do fato do governo brasileiro apoiar incondicionalmente o governo venezuelano. Decorre de lideranças brasileiras terei ido ou mandado mensagens de apoio a eleição do indigitado.

Finalmente, a responsabilidade do Brasil decorre do fato de que as violações aos direitos humanos não ser uma a questão que comporte confinamento fronteiriço. Os governos, as entidades os cidadão de bem, têm o dever moral de repudiar a tortura onde quer que ela ocorra. Como é aceitável que invoque tratados internacionais para pedir punição aos torturadores do passado e ficarem inerte as torturas que acontecem no momento?

Afinal, os nossos líderes são mesmo contra ao tortura ou para serem contra depende de quem tortura? talvez D. Dilma possa responder.

Abdon Marinho é advogado eleitoral.

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