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Vítima de ataque a ônibus em São Luís teve 75% do corpo queimado

Folha de São Paulo

Há três meses, o ônibus onde estava o descarregador de mercadorias Márcio Rony da Cruz Nunes, 37, foi alvo de um atentado na região metropolitana de São Luís.

Os bandidos incendiaram o veículo, em ação ordenada de facções criminosas presos em Pedrinhas. Mesmo com 75% do corpo queimado, esse pai de cinco filhos retirou do veículo três pessoas de uma família, entre elas Ana Clara Sousa, 6, que morreu.

Transferido para um hospital de Goiânia, já passou por três cirurgias. A pele que nasce no rosto é protegida com máscara. Para andar, usa um aparelho ortopédico para sustentar os pés lesionados.

Estava indo do serviço para o bairro Mata [em São José de Ribamar, na região metropolitana de São Luís, Maranhão], onde morava.

Ia todo mundo tranquilo. Quando um rapaz deu sinal para o ônibus, parecia um passageiro normal. Mas ele entrou e foi puxando a arma da cintura, pediu para o motorista desligar [o motor] e abrir as portas para descer só mulher e criança.

Houve um tumulto, porque todos queriam descer ao mesmo tempo. Ele já estava jogando gasolina e tacando fogo. Os outros [bandidos], que estavam escondidos, entraram em ação na sequência. Eram mais de dez.

Havia uns 30 e poucos passageiros. O motorista foi o primeiro que saiu do ônibus. Tinha gente pulando pela janela. Era homem e mulher, um passando na frente do outro para correr para as portas.

Imaginei que fosse um assalto. Consegui descer porque ainda estava na parte da frente, justamente onde eles estavam jogando a gasolina.

Quando desci, um deles jogou um cigarro nas minhas costas. Aí incendiou logo. Saí correndo pedindo socorro. Me joguei numa poça com água e apaguei o fogo.

Foi nessa hora que escutei a moça gritando [dentro do ônibus], procurando as filhas dela. Então, não pensei duas vezes, não tive medo e voltei de novo [para dentro do veículo em chamas].

A catraca travou, e as duas filhas ficaram no corredor do ônibus. Cheguei, empurrei a catraca, que destravou. A mãe passou para o outro lado e conseguiu pegar uma delas. Eu peguei a outra [Ana Clara, no colo]. As crianças estavam chorando, gritando. Já tinha pegado fogo nelas. Então saímos.

SOLIDARIEDADE

Parou um carro para prestar socorro. Eles queriam que eu fosse também. Eu disse: “Não, levem elas [meninas] que estão mais machucadas”. O próximo carro que parou me levou. Achei que estava queimado, mas não imaginei que estava tão machucado.

Pessoas comuns paravam lá para olhar o que tinha acontecido, outras prestavam socorro. A ambulância chegou depois. Eu já tinha sido socorrido por um casal numa [caminhonete] cabine dupla. Na hora, sentia só o ardor. Olhava a parte de trás e via os pedaços do couro [pele] pendurados.

No hospital, os médicos perguntaram se eu lembrava o telefone de algum parente. Lembrei o número de uma de minhas irmãs. Foi só falar e apagar. Não lembro mais nada. Quando acordei, já estava aqui [em Goiânia].

TRATAMENTO

Eu acreditava demais, até hoje [na recuperação]. Em primeiro lugar me apeguei a Deus, porque, quando estava sentindo dor, eu orava, pedia [ajuda] para Ele, aí aliviava.

Fiquei sabendo que estava em Goiânia através das enfermeiras, da minha irmã. Nunca tinha vindo aqui antes.

Não me acho um herói, não. Acho que foi um ato de bravura. Consegui salvar as três pessoas e a mim também.

Foi bom ter ajudado, e acredito que daqui para frente outras pessoas também vão querer fazer a mesma ação quando for preciso.

Só soube [da morte da Ana Clara] através da imprensa [na semana passada]. Fiquei um pouco chocado, porque acreditava que estariam todas as três vivas.

Sinto falta da família. Espero voltar logo [para o Maranhão], encontrar todos, poder abraçá-los.

Minha preocupação maior é terminar o tratamento corretamente [após a cicatrização, usará uma malha compressiva] e depois dar um jeito de voltar ao serviço.

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