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Surto psicótico no trânsito põe em xeque periodicidade de exame psicológico

Por Milton Corrêa da Costa

O administrador de empresas e artista plástico Michel Goldfarb Costa, de 33 anos, que atualmente não exercia atividade profissional -vivia de aplicações financeiras na bolsa de valores- residente num condomínio de luxo em Cotia, na grande São Paulo, e que deu causa, na manhã da última segunda-feira (09/01/12), a um verdadeiro “dia de fúria” e pânico no trânsito de São Paulo, gerado por um surto psicótico dos mais violentos e inusitados ( roubou carros, provocou acidentes e deu cerca de vinte tiros pra todos os lados), disse-se- “perseguido”, apresentou-se ontem num Distrito Policial, após ter sido decretada sua prisão temporária. Foi indiciado por tentativa de homicídio, uma das vítimas foi baleada gravemente na barriga e uma outra de raspão, roubo de carro e disparo a esmo de arma de fogo, além de crimes de dano, tendo colidido,  durante a tresloucada ação, com dois automóveis e um ônibus, numa cena típica de filme americano: “Motoristas velozes e furiosos”

O delegado responsável pelo caso, Marcos Antônio Manfrin, do 26º Distrito Policial, no Sacomã, disse acreditar que o administrador tenha tido um “surto psicótico”. “Aparentemente não há motivação, a não ser um surto”, afirmou. A namorada de Michel Costa prestou depoimento anteriormente e o descreveu como uma pessoa fechada, com poucos amigos e quase nenhum contato com a família, e que não trabalhava. A mulher contou à polícia que tudo começou às 4h de segunda- feira. Costa era conhecido por ter mais de dez cachorros, e eles começaram a latir nesse horário -o casal havia ficado acordado até tarde vendo filmes. O administrador teria ficado com medo de que a casa tivesse sido invadida. “Ele teve uma briga recente com o vizinho em relação ao barulho (dos cães) e teria sido ameaçado”, disse Manfrin. “Quando a namorada dormiu, ele (Costa) saiu de casa deixou tudo aberto, as portas abertas e saiu ao volante do carro, vestindo o colete e com a arma em punho”.

”A relação dele com a namorada era boa -o casal está junto há quatro anos e se vê aos fins de semana. O surto não ocorreu por conta de uma briga”, afirmou o delegado-adjunto Dalmir de Magalhães. O tenente da Polícia Militar Guilherme Willian Pacheco definiu a ação como um “dia de fúria”. Segundo ele, a ação “foge do padrão de um assalto”. “Ele em um dia de fúria e loucura teria pego uma arma e um colete e efetuado vários disparos em via pública”, afirmou. A namorada declarou-se perplexa.

Perplexo, em verdade, estamos todos nós cidadãos pacíficos com tanta loucura no trânsito. Não é a primeira vez que surtos psicóticos acontecem no trânsito brasileiro, ainda que tal fato tenha sido inédito em sua tipificidade, porém traz novamente à baila a questão do estranho fenômeno da hiperagressividade ao volante. Na noite 23 de julho de 2008, no bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, um cidadão, ao atravessar uma rua em companhia de seus dois filhos e por haver reclamado de um condutor, que momentos antes avançara o sinal vermelho, foi alvejado com um barra de ferro na cabeça pelo motorista infrator. Em estado grave e em coma foi submetido a uma cirurgia no cérebro. Acabou adquirindo sequelas até hoje pela brutal e injustificada agressão. O motorista agressor era portador de esquizofrenia paranoide. Os dois filhos da vítima, que presenciaram a cena, de 13 e 14 anos, na ocasião, certamente também poderão adquirir, talvez pelo resto de suas existências, graves seqüelas psicológicas. Terão no mínimo aprendido que vivemos no mundo globalizado da violência, também produzido pelo comportamento assassino no trânsito.

No ano passado, na manhã de um sábado, num terminal rodoviário na Zona Oeste do Rio, um jovem de 25 anos resolveu furtar um ônibus ( a chave encontrava-se na ignição e o motorista ausente), percorrendo, em desabalada e perigosa carreira, um trecho de mais de 20 km, causando no trajeto vários acidentes, sendo perseguido pela polícia, só sendo detido já no Bairro de Botafogo, na Zona Sul da cidade. O jovem retornava de um festa e também era usuário de droga e havia consumido bebida alcoolica em demasia numa festa durante a madrugada, numa mistura explosiva que tem dado causa, nas madrugadas dos finais de semana, a muitas tragédias envolvendo a imprudência de jovens na barbárie do trânsito brasileiro.  

Tais fatos, de extrema agressividade e loucura ao volante, colocam em xeque, sem dúvida,  atuais normas do Conselho Naional de Trânsito quanto à necessidade premente da realização, quando da renovação da carteira de habilitação do exame psicológico também para motoristas amadores. Atualmente a obrigatoriedade é para os que exercem atividade remunerada ao volante  e outros motoristas profissionais. Quantos condutores, pós primeira habilitação, aos 18 anos, já adquiriram com o passar dos anos, graves doenças mentais, alguns vivendo ad eternum à base de remédios controlados e continuam dirigindo? Quantos são dependentes de drogas ilícitas e dirigem? Os Departamentos Estaduais de Trânsito  têm ciência disso? Têm controle sobre essa grave questão? Por que não incluir imediatamente o exame psicológico, na renovação da CNH, de 5 em 5 anos, também para motoristas de categoria A (motociclistas) e B ( carros de passeio)?

Nesse contexto de perigo iminente em vias públicas coloca-se também em xeque a Psicologia de Trânsito, ciência que estuda e diagnostica o comportamento de condutores de veículos. Que estranho poder possui o binômio trânsito/automóvel que transforma pessoas educadas no convívio social em agressivos, imprudentes, deseducados e muitas vezes assassinos do volante? Não seria o momento de rediscutirmos os conceitos e os testes empregados na avaliação  psicológica de motoristas, revendo as normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Trânsito? Que perfil devemos desejar para um motorista menos agressivo e mais equilibrado, num trânsito urbano cada vez mais caótico, principalmente nos grandes centros urbanos?

Não há dúvida que a Psicologia de Trânsito precisa evoluir para detectar, nos candidatos à obtenção da CNH e para os que a renovam, a tendência para possíveis distúrbios psicóticos, mesmo referentes  a acentuado estresse, hiperagressividade, os possíveis dependentes de drogas e os já doentes mentais. Fica aqui a proposta ao Conselho Nacional de Trânsito. A sociedade já em pânico, ante a violência da criminalidade, não pode ficar também a mercê dos loucos do volante. Trânsito é meio de vida, não de comportamento perigoso e desajustado.

Milton Corrêa da Costa
Coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro

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