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Procurador diz que Janot fazia política na PGR e chamava Raquel Dodge de bruxa

Folha de São Paulo

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O procurador da República Ângelo Goulart Villela, 36, afirma que Rodrigo Janot fez o acordo de delação com a JBS com o objetivo de derrubar o presidente Michel Temer e impedir a nomeação de Raquel Dodge para substituí-lo no comando da Procuradoria-Geral da República.

Ele contou que presenciou uma conversa em que Janot (a quem chama pelo primeiro nome, Rodrigo) afirmou: “A minha caneta pode não fazer meu sucessor, mas ainda tem tinta suficiente para que eu consiga vetar um nome”. “Ele tinha pressa e precisava derrubar o presidente”, diz. “O Rodrigo tinha certeza que derrubaria”, afirma.

Villela concedeu à Folha no sábado (16) sua primeira entrevista após deixar a prisão, no dia 1º de agosto, onde ficou por 76 dias sob suspeita de vazar à JBS informações do Ministério Público. “A desonra dói muito mais que o cárcere”, disse.

Alvo da Operação Patmos, de 18 de maio, ele foi denunciado por corrupção passiva, violação de sigilo funcional e obstrução de Justiça.

Em sua delação, Joesley Batista, da JBS, disse que Villela teria recebido uma “ajuda de custo” de R$ 50 mil por mês para vazar informações. Depois, porém, afirmou não saber se o dinheiro chegava ao procurador.

O advogado Willer Tomaz seria o intermediário. A Polícia Federal monitorou em maio um encontro de ambos com Francisco Assis e Silva, advogado e delator da empresa.

Villela integrava a força-tarefa da Operação Greenfield, que investiga um suposto esquema de uso irregular de recursos de fundos de pensão.

Na entrevista, ele nega ter recebido propina e diz que se aproximou da JBS para negociar uma delação. Relata sua amizade com Janot e afirma que o ex-procurador-geral chamava Dodge de “bruxa” em conversas reservadas.

*

Folha – Por que o sr. ficou esse tempo todo em silêncio?
Ângelo Goulart Villela – A prudência, diante de tudo que estava acontecendo comigo, o procedimento heterodoxo de apuração que eu estava sendo submetido pelo meu acusador, recomendava que ficasse quieto até que acabassem as flechas ou os bambus.

O sr. recebeu propina da JBS?
Jamais. Nunca estive com Joesley, com Wesley, nem por telefone. Com Francisco Assis e Silva [diretor jurídico do grupo] tive dois contatos. Nunca recebi valor nem promessa de vantagem. O meu interesse era de liderar um acordo da maior empresa que a gente estava investigando. Os dividendos que receberia seriam profissionais, de reconhecimento.

Qual a relação que o sr. tinha com o Janot?
De amizade íntima durante um tempo, frequentava a casa dele, tinha como grande amigo. Mas foi se enfraquecendo com o passar do tempo. A partir do rompimento dele com Eugênio Aragão [ex-procurador e ex-ministro da Justiça], fiquei distante porque nutro amizade e carinho enorme por ele [Aragão]. Eu nutria também pelo Rodrigo, mas me mantive distante. E aí eu vi que o Rodrigo mudou o tratamento comigo e com a minha família.

Qual foi a última vez que esteve na casa de Janot?
No final do ano passado. Era uma segunda-feira, o achei muito cansado, perguntei se estava bem de saúde, e ele disse que sim, mas que estava ansioso para terminar o mandato.

Janot declarou que vomitou quatro vezes ao saber de sua prisão.
Acho que é “media training” [treinamento para lidar com a imprensa], não só essa frase mas outras de efeito que ele anda falando. Não pretendo desqualificar o meu acusador, mas essa frase infeliz demonstra que ele quis mostrar um lado humano que no meu caso ele não teve.

No dia em que pede a minha prisão, ele me pediu um favor no TSE, numa questão de multas, algo que não tinha nada a ver com minhas atribuições. Na verdade, eu já estava grampeado, ele pede para uma pessoa me ligar em nome dele para agradecer “a força”. Então, não acredito que vomitou quatro vezes.

Na sua opinião, o que motivou o Janot na Operação Patmos?
Isso tem uma motivação bem clara. Janot interpretou que eu havia mudado de lado também para apoiar a Raquel Dodge, a principal e mais importante adversária política dele.

No Encontro Nacional de Procuradores da República, em outubro do ano passado, início de novembro, o Janot soltou uma frase que me chamou a atenção. Estavam eu e mais alguns colegas, poucos, e ele falou: “A minha caneta pode não fazer meu sucessor, mas ainda tem tinta suficiente para que eu consiga vetar um nome”. E ele falava de Raquel, todo mundo sabia.

E qual a relação disso com a JBS?
A JBS abriu duas frentes de colaboração, uma mais tímida, comigo e Willer. Depois, eles batem na porta do Anselmo Lopes [procurador que atua na Greenfield] para uma reunião com a PGR e conseguem. Isso tudo em fevereiro. O áudio da gravação do Temer foi em 7 de março e do Aécio Neves, no fim do mês.

O que me chamou a atenção são os personagens ocultos dessa história, o que vem sendo revelado agora. Uma advogada [Fernanda Tórtima], um ex-colega [Marcelo Miller] e um modus operandi idêntico ao de outras delações. Cito os casos de Nestor Cerveró, Sérgio Machado e Delcídio do Amaral. Todos eles com vazamentos antes das homologações.

O Rodrigo quis usar uma flecha para obter duas vitórias. A gente sabia que Raquel seria a pessoa indicada. Eu fui tachado por Rodrigo como se tivesse me bandeado para o lado dela. Esse era um alvo da flecha. O outro era que, derrubando o presidente, e até o nome da operação era nesse sentido –Patmos, prenúncio do apocalipse–, ele impediria que Temer indicasse Raquel. Não tenho dúvida alguma que houve motivação para me atingir porque, assim, ele [Janot] lança uma cortina de fumaça, para mascarar essa celeridade de como foi conduzida, celebrada e homologada uma delação tão complexa, em tempo recorde.

Ele tinha pressa e precisava derrubar o presidente. Ele tinha mais cinco meses de mandato, e faz, então, um acordo extremamente vantajoso ao Joesley, de imunidade, diante de um material que levaria à queda do presidente. Essa pressa, para ficar mascarada, vem com um discurso de que a atuação imparcial de que estava cortando da própria carne. Ele me coloca ali como bode expiatório e me rifa. Nem quis me ouvir. Fui preso com base em declarações contraditórias de dois delatores, em uma pseudoação controlada.

Na sua opinião, foi uma questão política, então?
Considero que Rodrigo, valendo-se da informação que estava no Congresso no sentido de que a indicação de Raquel era dada como certa, viu na JBS a oportunidade de ouro para, em curto espaço de tempo, derrubar o presidente da República e assim evitar que sua principal desafeta política viesse a ocupar a sua cadeira.

Não quero aqui entrar no mérito das acusações, mas apenas destacar que a motivação de Rodrigo, neste caso, conforme cada vez mais vem sendo relevado, foi eminentemente política. O Rodrigo tinha certeza que derrubaria o presidente.

Qual outro elemento o sr. tem para sustentar a sua versão?
A divergência política entre o grupo do Rodrigo e o da Raquel é fato público e notório. Não é apenas uma opinião.

Isso se demonstrava como no dia a dia?
Nós tínhamos um grupo de Telegram que se chamava “Gabinete PGR”, com poucas pessoas, alguns assessores. Rodrigo falava pouco. E vez ou outra alguém tecia comentário sobre a Raquel. Tudo no campo político. Mas o Rodrigo se referia à Raquel com uma alcunha depreciativa para demonstrar que estavam em lados totalmente opostos na política interna.

Que alcunha?
Bruxa. Está no meu celular, que foi apreendido.

É possível esperar que Raquel Dodge diminua o ritmo da Lava Jato?
Não. Qualquer um que entrasse não teria como mudar a Lava Jato. O que se espera é que continue apurando, mas com responsabilidade e profissionalismo, evitando vazamento seletivos, evitando assassinato de reputações. Hoje, prende-se para investigar. O ônus da prova é do investigado, eu que tenho que demonstrar que sou inocente.

Janot diz, em relação ao sr., que há ‘prováveis desvios no exercício da função e utilização desta para fins espúrios’.
O Rodrigo, durante todo esse momento, não se preocupou com os esclarecimentos dos fatos. Fiquei 76 dias preso e até agora não fui ouvido na ação penal e na de improbidade. O Rodrigo só se preocupou com o que era conveniente para manter a versão dele, que hoje os fatos revelam ser meras fantasias. Fui uma pessoa útil. Seja porque ele se sentiu traído, seja porque seria importante ele demonstrar que estava sendo imparcial.

A PGR usa como elemento para lhe atribuir os crimes uma reunião que o sr. teve no escritório de Willer Tomaz com a presença de Francisco Assis e Silva (JBS). Por que o sr. foi a essa reunião?
O Willer pediu um almoço para me apresentar a um advogado do caso da Greenfield. Perguntei se não poderia ser na PGR e ele disse que havia receio. Tivemos uma conversa rápida, fui apresentado como procurador que estava entrando na força-tarefa da Greenfield e poderia ajudar.

O Francisco falou da relação que tinha com o Anselmo Lopes [procurador que investigava a JBS na Greenfield], mas que ele era muito difícil de convencimento. Eu disse que precisava me inteirar. Ele me perguntou: “Caso a gente opte pela delação, que tipo de benefício vocês poderiam me oferecer?” Eu respondi que não tinha como tratar disso, primeiro porque eu não sabia o que ele tinha a oferecer de informações, e segundo que isso tinha de ser levado para a força-tarefa para essa avaliação.

Depois vem um jantar que o sr. vai na casa do Willer com a presença do Francisco [esse encontro foi monitorado pela PF].
Só tive dois encontros com o Francisco. Em fevereiro e em maio, na pseudoação controlada. Nesse meio, aconteceram coisas que são verdadeiras, mas que foram contadas de forma fantasiosa na delação da JBS. O primeiro, sobre a reunião informal com o Anselmo, o ex-sócio da Eldorado, Mário Celso [adversário de Joesley Batista], o filho dele e eu. Era uma conversa técnica, eu já estava formalmente na Greenfield.

Peguei meu gravador [celular] e liguei para que pudesse ouvir e entender. No final da reunião, surpreendentemente, o Anselmo passa a adotar um comportamento mais duro, pressionando para delação. O Mário Celso tinha sofrido a segunda fase da Greenfield e os bens estavam todos bloqueados. Num dado momento, o Anselmo fala: “Quanto você quer que eu desbloqueie do seu dinheiro para você falar e fazer a colaboração?” E o Mário negava. Dizia que era Joesley que tinha que delatar. Anselmo ofereceu desbloquear uma fazenda. Fiquei surpreso com essa atitude mais ríspida.

O sr. passou essa gravação para o advogado da JBS, o que a PGR entende como tentativa de obstrução de Justiça e vazamento de dados.
Não foi isso. Não gravei com o intuito de favorecer a JBS. Resolvi utilizar a gravação como elemento de pressão para a JBS fazer a colaboração. O que eu estava dizendo é que o cliente dele [a JBS] poderia passar de candidato a delator a delatado. Eu perguntei ao Anselmo por que ele não jogou a pressão igual na JBS, afinal era muito mais interessante do ponto de vista investigativo do que o Mário Celso.

Mas não foi antiético ter mandado esse áudio para um advogado de um suposto inimigo de Mário Celso?
Não. Até porque se nós começarmos a colocar uma lupa do padrão de conduta do Ministério Público, e da polícia como um todo, para obter colaboração premiada, nós temos de ter a seguinte ideia em mente: você está negociando com pessoas que cometeram crime. É um trabalho de negociação, de pressão, blefe e estratégia.

O sr. já viu coisas parecidas com essa?
Já e já soube de coisas muito piores. Aliás, os fatos que estamos vendo atualmente no noticiário já até extrapolam o tipo de padrão que era do meu conhecimento. Não quero generalizar o MPF, mas estou falando da cúpula da PGR.

Mas por que que o sr. foi ao jantar na casa do Willer?
Eu tinha o interesse profissional em capitanear essa colaboração e comecei a sentir que estavam me cozinhando. Foi quando ele [Willer] me pediu o jantar. Achei que estava em início de tratativa de colaboração. O Francisco agiu como provocador na tentativa de conseguir coisas comprometedoras minhas para a delação que negociavam em paralelo.

O sr. chegou a conhecer o ex-procurador Marcelo Miller, pivô da crise da delação da JBS?
Sim, claro. Era uma das cabeças mais pensantes, responsável pela negociação de delações, sobretudo na parte internacional. Foi na gestão do Rodrigo que a gente deu um salto muito importante na técnica de “follow the money”, de seguir o dinheiro. O Rodrigo tinha no Miller um verdadeiro escudeiro. Tanto é que o Miller era enviado para as missões em nome da PGR, o que demonstrava uma relação de confiança plena.

O sr. acha que é possível que Janot não soubesse da participação dele a favor da JBS?
Há duas hipóteses. A primeira, que o Rodrigo tivesse conhecimento, talvez não tão profundo, da participação de Miller com os delatores. A segunda seria que Rodrigo não soubesse de nada, teria sido ludibriado.

Mas não quero crer que o PGR fosse uma rainha da Inglaterra na condução dessa investigação. É evidente que ele tem assessores de extrema confiança e esperava que eles fizessem o “report”. Não acredito que o Miller teria feito tudo isso sem conhecimento, ainda que parcial, de pelo menos algum membro da equipe de Rodrigo.

Qual a diferença que o sr. vê do seu caso com o do Miller?
Não quero fazer juízo de valor, mas são casos totalmente diferentes. No meu, não há sugestão de captação de voz nem direcionamento de delação nem orientação de o que fazer. Tampouco tive proximidade com delatores.

A delação da JBS deve ser anulada, na sua opinião?
Sinceramente, não me preocupo se haverá anulação ou não das provas. E digo isso por uma razão simples: não cometi crime algum. Logo, não há prova [contra ele] porque não existiu crime. Fui tachado de corrupto, de ter recebido R$ 50 mil, de ser alguém que tentava obstruir à Justiça e vazar documentos. Foram na minha casa e não encontraram nada. Meu patrimônio é compatível com a renda familiar e vivo no limite do razoável.

O sr. pretende fazer uma delação premiada?
Isso seria impossível. Por um único motivo: não cometi crimes nem tenho acesso a quem tenha cometido. Passei 76 dias preso, sem ser ouvido, se eu tivesse que delatar, já estaria delatando há muito tempo.

Qual foi o pior momentos dos 76 dias na prisão?
Foram muitos [começa a chorar]. O primeiro dia, talvez. Porque eu não sabia de nada que estava acontecendo, nem a dimensão. E vi meu nome misturado com corrupção. A desonra dói muito mais que o cárcere.

O sr. pretende voltar ao Ministério Público?
Pretendo voltar pela porta da frente, só admito voltar por essa porta. Hoje há um desapontamento com algumas pessoas que lá estão e vão continuar quando eu voltar. Pessoas que você tinha como irmãos viraram as costas sem saber da minha versão.

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