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Perderam a graça

Por Abdon Marinho

Com um pouco de atenção testemunhamos as cavalices com as quais nos brindam os inquilinos do Palácio do Planalto e seus asseclas – e não poucas –, agora resolveram ir a um patamar nunca alcançado por qualquer governo do Brasil e pouco usado, até pela longa ditadura militar: A perseguição a humoristas.

Sob qualquer ângulo que se examine, qualquer cidadão com um mínimo de bom senso, sabe, é de um absurdo inqualificável a lista divulgada por próceres governistas e seus aliados, com nomes de jornalistas, intelectuais e artistas, tidos como inimigos do governo. A situação fica mais dramática – se é que ainda é possível ficar pior –, quando vemos que entre estes ‘inimigos do governo’ a quem a malta de aliados e lambe-botas são estimulados a agredirem, vemos humoristas. Perdera o senso do ridículo, a noção de qualquer pudor, perderam a graça.

Quando soube que ninguém menos que o vice-presidente do partido governista escrevera um artigo citando nomes de supostos ‘inimigos do governo’, não acreditei, só fui acreditar quando li no próprio site do partido o texto do indigitado vice-presidente, vi os nomes e não fiz a ligação de que dentre os ‘inimigos’ estavam os humoristas Madureira e Gentili. Li seus nomes e não liguei as pessoas, não entendi que o partido, governo e aliados considerem com inimigos pessoas que fazem humor com homens públicos, com governos. Só quando vi o Marcelo Madureira postando um video protestando e li um post numa rede social do Gentili dizendo que os ‘inimigos’ eram eles foi que a ficha caiu.

O governo e seus aliados não gostaram das piadas? não são obrigados a rir. Colocar humoristas num ‘índex de proscritos’, é, a meu ver, um desatino sem medida. Humoristas no índex? Não tem graça.

Na história da humanidade, buscando em toda ela, em todos os lugares do mundo, se há registro, são poucos, em que senhores feudais, monarcas ou ditadores mais intransigentes, insatisfeitos com uma piada mais forte ou uma brincadeira mais grosseira de um dos seus “bobos da corte”, tenha os incluídos em algum índex, dado lhe cabo ou autorizado que a malta o fizesse em algum logradouro público com insinuam alguns artigos.

Pois é, no Brasil de 2014, quando você pensa que já viu de tudo, eis surge essa de ‘pôr no índex’ os críticos do governo, entre eles, alguns humoristas. Parece piada, entretanto, nem como piada de mau gosto serve. Assim como não tem qualquer graça esse silêncio sepulcral de entidades com a ABI, ABL ou OAB e demais entidades de defesa da liberdade de expressão e de imprensa. Essa turma toda que dá ‘pitaco’ até em jogo de peteca, de uma hora para outra, diante do fato de um partido, por seus dirigentes, do governo, por seus aliados, criarem uma lista como aquelas feitas nos tempos mais remotos e nos mais obscuros regimes, emudecerem, não se darem conta da gravidade da situação e nada dizerem.

Em qualquer tempo da história do Brasil, dos dois primeiros reinados se viu tamanha intolerância, chargistas dos jornais e seus leitores divertiram-se as custas das charges dos imperadores, principalmente do segundo. Conta a história que até mesmo diante dos excessos da mídia, D. Pedro II dizia que era preferível ter uma imprensa que cometesse excessos que uma imprensa amordaçada ou subalterna. Getúlio Vargas que governou o país durante anos como ditador não teve trégua da imprensa, não teve trégua dos humoristas de então e não temos notícia que tenha patrocinado ou estimulado listas com nomes de jornalistas, muito menos de humoristas, atribuindo-lhes o status de inimigos do governo ou do regime. A ditadura militar, os governos que se seguiram, também não temos notícia de algo semelhante. Cansei de ver Jô Soares, Chico Anysio e a turma do Pasquim fazerem criticas aos governos usando para isso o humor e não temos notícia de listas com seus nomes para sofrerem represálias ou corretivos públicos da malta aliada. Milhares de piadas, charges, humoristas foram feitas sobre os governos de Sarney a FHC sem qualquer retaliação ou represália, muito menos com nomes postos em índex.

O que vemos hoje no país é algo preocupante, impensável e inaceitável. Outro dia vimos um artista contratado para um show em Búzios ser agredido pelos contratantes que não gostaram de uma piada feita sobre a presidente da República. Em seguida veio o índex do vice-presidente do partido que conduz o governo central. Vemos dirigentes governamentais, sem medirem as palavras, falarem em ‘elite branca’, numa clara tentativa de fomentar o ódio racial entre os brasileiros. Vemos esses mesmos a fomentarem a luta e classes.

O pior de tudo isso é vermos pessoas que reputamos de bem, dignas e preocupadas com os destinos do país não se darem conta do que vem acontecendo, e algumas, até acharem normal e justificarem esse tipo de absurdo.

Todos são fatos graves e colocam em risco nossa jovem democracia. Não se trata de impressão, fica é a certeza que caminhamos para um horizonte obscuro e triste. E isso não tem graça nenhuma.

Abdon Marinho é advogado eleitoral.

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