Categorias

Copa ‘al dente’

Por Abdon Marinho

Abdon Marinho.
Abdon Marinho.

Das lembranças que tenho de copas do mundo, uma marca até hoje. Era ainda um menino, lá pelo ano de 1982, como a televisão era artigo de luxo, todos nos reuníamos para assistir aquele jogo Brasil x Itália, na casa de vizinhos. Paolo Rossi, num dia de rara inspiração mandou a seleção canarinho para casa. Placar de 3×2 para a Itália. O Brasil se despedia depois de apresentar um dos melhores escretes de todos os tempos.

Não me marcou os gols de Rossi, os três, ou dos dois brasileiros, Sócrates e Falcão (se não me falha a memória). Marcou-me a imagem do Zico exibindo a camisa rasgada, numa falta de um dos zagueiros adversários. Ao que me recordo num quase choro, mostrava a camisa 10 rasgada cobrando uma punição – que não veio.

Os goles que sofremos naquela tarde de julho ou o choro dos mais velhos ante o resultado adverso não me marcaram tanto quanto aquela camisa rasgada.

Lembrava-me do episódio esta semana, no rescaldo da desclassificação da “squadra azurra” no forte jogo contra a celeste uruguaia. O jogo, embora sem envolver o Brasil, me pareceu tão dramático quanto aquele de mais de trinta anos atrás. Duas seleções de larga tradição brigando pelo direito de continuar na competição. Um clima de tamanha adrenalina capaz de provocar atos impensados como do artilheiro Luiz Suárez que além da imensa agilidade dos pés usou até os dentes contra a equipe adversária. Ato, que julgado pela FIFA, o colocou de fora copa e nos privou de seu talento na competição.

Claro que não defendo que se resolva as coisas no ‘dente’, mas é uma pena que um gesto impensado tenha colocado de fora da copa um jogador com tanta garra, que joga com a emoção que poucos ainda possuem, que representa sua nação além de qualquer consequência, como feito na copa anterior, em que diante do gol certo, preferiu ser expulso a desviar a bola com a mão e sofrer o pênalti, expulsão e arriscar uma segunda chance.

Não digo também que o excesso dentício não devesse ser punido. Acho que deveria. A pena foi que entendi desproporcional ao agravo, cabia, no máximo, a suspensão por um jogo e multa. Temos muitas faltas cometidas, até mais graves que o encostar de dentes no ombro do italiano e passam em brancas nuvens na análise da FIFA. Escândalos maiores envolvendo seleções, dirigentes e atletas nunca são punidas, e, se são passam é longe da severidade com que foi punida a seleção uruguaia. O futebol suscita emoções injustificáveis, paixões desabridas. As punições, se devidas deveriam considerar esse aspecto. O futebol era, e ainda deveria ser, essa entrega que beira a irracionalidade. Entrega como só vemos na atualidade em seleções sem grande tradição no esporte, como Costa Rica, Argélia e mais umas poucas. Não essa coisa plastificada em que os atletas agem com “pop stars” mais preocupados com a imagem dos produtos que vendem do que com as cores que vestem.

As lágrimas de Luiz Suárez ao ser expulso da copa e banido do esporte por longo período, me trouxe a lembrança adormecida de 1982, lembranças dos tempos de menino que sentia a emoção acima de qualquer sentimento.

Colocar a seleção italiana no caminho de casa, ainda que num gesto impensável pelo uruguaio, foi uma espécie de vingança pela camisa rasgada naquela copa da Espanha, aquela que não opinião de todos devíamos ganhar. O atleta uruguaio, a seu modo, nos vingou, não posso deixar de sentir solidariedade por ele. Uma pena que não possa contribuir com o seu talento com sua amada seleção celeste.
Ah, outra lembrança que me marcou foi o pênalti perdido por Zico na Copa do México de 1986.

Abdon Marinho é advogado eleitoral.

2 thoughts on “Copa ‘al dente’

  1. Meu ilustre advogado. Dr. Abdon Marinho, V.Sa, com seu pensamento ou mensagem, só vem engrandecer o nosso dia-a-dia, parabéns.

    Edmilson Moura.
    Blog Rebelde Solitário.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *