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Combate ao crack precisa ir além das grandes cidades

Por Milton Corrêa da Costa

O Rio de Janeiro -São Paulo já vem reprimindo as cracolândias- numa ação integrada de uma força-tarefa envolvendo diferentes órgãos públicis e organizações não governamentais, declarou recentemente guerra total à epidemia do crack. Antes tarde do que nunca. O crack, a chamada ‘droga da morte’, uma ameaça seríssima à juventude, é um derivado da planta de coca, resultante da mistura da cocaína, bicarbonato ou amônia e água destilada, formando pedras e fumado em cachimbos. É um problema, de há muito, de saúde pública, social, de governos, de polícia e de legislação específica . Ou seja, um problema multifacetário de difícil e complexa solução. Cerca de 1/3 dos dependentes de crack e agora também do oxi, um derivado da folha de coca ainda mais potente ( feito com cal, gasolina e cocaína) morrem em cinco anos. O que é pior, o crack está presente nos grandes centros urbanos, atingindo não só pobres mas também jovens de classe média e alta, da mesma forma que no interior do país e nos campos. Se as grandes cidades estão despreparadas para enfrentar tal epidemia, imaginem as cidades menores e sem recursos. Ou seja, a droga se dissemina em pequenas e médias cidades do interior, onde não haveria Força Nacional de Segurança com efetivo suficiente capaz de contê-la..

Um estudo da Confederação Nacional de Municípios identifica problemas em nove entre dez cidades pesquisadas do interior.

Vejam dois casos reais de dependência do crack no interior: Carlos (nome fictício) ,de 42 anos, e Lucas, de 22, partiram para o corte de cana em São Paulo para ganhar dinheiro nas usinas de açúcar e canaviais e voltaram para Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG), viciados.

“Conheci i crack há 13anos, na cana”, conta Cláudio. ‘Perdi tudo, Separei da minha mulher e moro de favor com um amigo”, diz o ex boia-fria. pai de uma jovem de 21 anos. “Em Ituverava, eu buscava a droga para os outros peões. Andava 15 quilômetros até uma boca.” João, por sua vez, (também nome fictício) foi para o corte pela primeira vez há dois anos, em Franca (SP). Conheceu a droga em um dos alojamentos da empresa. Não teve mais vontade de voltar para os canaviais e, para alimentar o vício, foi ao fundo do poço. “Perdi a dignidade, a honestidade e o caráter.”

Um outro triste relato de dependência, que põe inclusive em xeque a tese da chamada’corrente progressista’ das drogas, encabeçada pelo ex- presidente FernandoHenrique Cardoso, de que a maconha não seria porta de entrada para drogas mais pesadas, foi publicado tempos atrás numa revista semanal de grande circulação,que mostra a perigosa escalada. Caio ( nome fictício),tinha 8 anos quando começou a fumar maconha. Aos 14, experimentou cocaína. Com 19, foi apresentado ao crack. “Eu fumava cinco pedras e bebia até 12 copos de pinga”. Em janeiro deste ano seu fornecedor de drogas, em Brasília,passou a lhe oferecer pedras diferentes, com cheiro de querosene e consistência mais mole. Caio estranhou. “Dizia a ele que a pedra era batizada, que não era boa. O cara me dizia que era o que tinha e ainda me daria umas (pedras) a mais”.

Não demorou para Pedro notar a diferença no efeito. A nova pedra era mais viciante. Para não sofrer com crises de abstinência, dobrou o consumo para até dez pedras, por dia. Descobriu então que, em vez de crack, estava fumando uma droga chamada oxi. “Quando soube, vi que estava botando um veneno ainda maior no meu corpo. Fiquei com medo de morrer”. Aos 27 anos,depois de quase duas décadas de dependência química, Caio sentiu que tinha ido longe demais. Internou-se numa clínica de dependentes.

É preciso, inclusive, urgentemente, criar uma legislação penal específica para o caso do tráfico do crack. Quem vende crack ou oxi é homicida em potencial, pois está vendendo uma passaporte muito rápido para a morte. Por sua vez, o combate à epidemia do crack, além da repressão policial, para cortar a fonte do comércio da droga, requer conhecimento específico para aprender a lidar com usuários. A questão é tão complexa que não há consenso entre psiquiatras e psicólogos sobre o recolhimento compulsório para o tratamento e tentativa de recuperação do dependente. Não se pode confundir recuperação do vício, com simples desintoxicação, para sanar a síndrome de abstinência, e volta para o consumo.

Há que se ter em mente, também, que o recolhimento compulsório deve ser necessário, prioritariamente, aos que se encontram em último grau dedependência com risco de morte. Narcossala também é terapia discutível e dispendiosa. Nã ohaveria tantos recursos para a sua implantação e manutenção. Só no Rio de Janeiro, vivendo no submundo das 11 cracolândias, há 3 mil dependentes. Talvez, antes de combater o crack tenhamos mesmo é que aprender a lidar com os usuários. Por enquanto, a droga da morte continua sendo uma gravíssima ameaça à juventude brasileira.

MiltonCorrêa da Costa é coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro

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