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Cartas de si para si

Por Abdon Marinho

Abdon Marinho.
Abdon Marinho.

Pensei muito na forma de melhor definir estas colunas com as quais ex-presidente Sarney nos brinda aos domingos, sobretudo aquelas em que canta os seus feitos ao longo destes quase cinquenta anos. Encontrei em Franklin Távora, no seu “O Matuto”, a construção “de si para si”, que ao meu ver é a melhor definição para as epístolas. São isso, nada mais que cartas de si para si, essa louvação a todos os feitos que fez nesta metade de século. É como se pretendesse guardar para si as lembranças dos tempos idos.

Ora, os críticos do ex-presidente, a quem o próprio chama de invejosos na carta de hoje, a menos os tolos, não desconhece tudo que o grupo que está no poder esse tempo todo, até porque, considerando que a última alternância de poder tendo se dado num lapso temporal tão extenso, não se teria como fazer qualquer comparativo com os governos anteriores. A realidade do país, antes de 1965 era muito distinta da atual. Se tudo hoje é diferente do que era a uma década, imagine cinco. Não bastasse isso, a mudança da sociedade e do estado ao longo dos anos, não há referência, pela longevidade no poder, que permita qualquer comparação, seja pelo alegam terem feito no passado ou no presente. Sem querer espancar a história, acredito que o que mais se aproxima do tanto de poder acumulado pelo atual grupo se deu no Segundo Reinado. É isso, acredito que se houvesse algum parâmetro para comparar, seria o parâmetro do Segundo Reinado. Ai, não podemos comparar, pois o Imperador D. Pedro II, ainda hoje figura entre os dez maiores estadistas de todos os tempos deste país – principalmente pela promoção das liberdades dos cidadãos –, enquanto que o ex-presidente não figura sequer na lista, e aqui não declinaremos as razões. Em comum, só a longevidade no poder.

Dito isso, qualquer discussão deve partir do pressuposto que quase tudo que há no Maranhão, para o bem é para mal, foi produzido nos últimos cinquentas anos. Este é o fato. E, se não se tem como comparar com qualquer outra gestão, o “revival” tardio que se materializam nestas cartas de si para si, nada mais são que o discurso do óbvio, sobre o nada, absolutamente inócuo, sob qualquer aspecto que se examine.

No mesmo sentido caminha o artigo que o pré-candidato do grupo fez publicar em diversos veículos do Brasil e do Maranhão na qual vende as potencialidades do estado. Estes também são dados que não são desconhecidos de ninguém.

O que se tem dito é que o Maranhão, dirigido pelo mesmo grupo há quase cinquenta anos, com tudo que alegam terem feito, porto, rodovias, ferrovia e muito mais, apresenta índices de desenvolvimento humano e social iguais aos das nações africanas mais atrasadas.

A análise fica mais constrangedora quando nos damos conta que outros estados, menos aquinhoados com recursos naturais, sem portos, sem grandes ferrovias, sem grandes projetos econômicos encravados em seus solos, apresentam indicadores mais positivos. Comparem os estados do nordeste, apenas estes, nos últimos vinte anos, vejam o salto que deram. Vejam a evolução do Piauí, até há bem pouco tempo sinônimo de pobreza.

O que se tem dito é que estruturação da sociedade maranhense ao longo destes decénios se deu com a maior e mais brutal concentração de renda que se tem noticia no mundo. Na capital do estado

temos pessoas bilionárias, ostentando tudo que o dinheiro pode comprar, convivendo quase ao lado de pessoas que não possuem a refecia do dia a dia.

O que se tem dito é que as pessoas que exercem o poder é as vivem nas suas cercanias têm usado o estado como instrumento para o enriquecimento pessoal e detrimento do bem comum, do interesse da coletividade.

O que se tem dito é que esse modelo de sociedade onde poucos tem tudo e muitos tem nada e que tudo depende do beneplácito das família que dominam as instituições estaduais tem um efeito deletério para a sociedade.

O que se tem dito é que é incompatível com o desenvolvimento que se prega em relação ao estado que as relações em pleno século vinte um ainda se dêem a partir de laços familiares.

O que se tem dito é que as instituições existentes no estado não podem pertencer ao patrimônio das famílias, como eram na aurora do século dezenove.

O que se tem dito é que esse modelo de desenvolvimento, que privilegia alguns e esquece a maioria da sociedade não interessa mais.

Como explicar que o Maranhão, como diz o próprio missivista tendo tudo que tem, e que faz questão de dizer, por sua obra e graça, não consegue ultrapassar os demais estados no se refere aos indicadores sociais? Como um mesmo grupo dirigindo o estado continuamente não tenha colocado-o entre os primeiros país, ainda mais quando sabemos da grande importância que tem as lideranças políticas no cenário nacional, Possuindo entre seus quadros, Ministros de Estado e até um ex-presidente da República? Como explicar que em quase tudo que signifique desenvolvimento estejamos no fim da vida, como saúde, educação, renda, expectativa de vida, etc.?

As cartas de si para si com as quais os poderosos vendem tudo que fizeram no passado e o que dizem que acontecerá no futuro, por mais tentem não conseguem explicar como chegamos a indicadores tão humilhantes. As alegações, mais que motivo de júbilo, deveriam ser motivos para constrangimento e vergonha.

As coisas que alegam terem feito para o bem do povo não se materializaram na vida das pessoas, cuja maior parcela permanece carente de coisas básicas, indispensáveis ao aprimoramento da cidadania. Se apresentam fatos como incontestáveis os indicadores também o são. Se os “invejosos” invejam os feitos por outro lado não deixam de ter razão quando criticam o atraso.

Numa destas epístolas talvez fosse oportuno colocarem, junto com as alegrões do fizeram pelo estado, mostrar tudo que o estado fez por suas famílias e seus apaniguados, o que tinham, de onde vieram e que possuem hoje. Não se tem dúvidas que pessoas não lírios e como tais, se comem, vestem e vivem bem melhor que todos os demais não unicamente pela graça de Deus, mas também pelo concurso do nosso estado que é tão rico e que possui um povo tão pobre. Apenas os lírios, dizia Jesus Cristo, segundo seus apóstolos, não plantam e não colhem, mas ainda ainda assim nem Salomão no auge de seu esplendor vestiu-se tão bem.

As cartas de si para si, talvez devessem suscitar também este tipo de reflexão. Não apenas mostrar e alegar o que dizem terem feito, mas também, reconhecer tudo que o estado fez pelos donos do poder ao longo destes anos.

Abdon Marinho é advogado eleitoral.

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