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A banalidade do mal

Por Abdon Marinho

Advogado Abdon Marinho.
Advogado Abdon Marinho.

O pequeno Bernardo Uglione não terá páscoa este ano, pelo que se revela, dia após dia sobre seu brutal e cruel assassinato, é capaz que não tenha tido, essa e outras datas festivas desde que sua mãe morreu há quatro anos. Para a avó materna restará a dor da perda dupla, primeiro a filha e agora o neto.

Os jornais, semanários e demais veículos de comunicação abordaram a tragédia do assassinato pelos diversos ângulos, apesar disso não vi em nenhuma das abordagens uma partisse do ponto de vista do garoto, de como ele se sentia com um pai absurdamente ausente e uma madrasta que o torturava a ponto de não permitir seu ingresso na residência quando seu pai não estava.

A verdade que merece ser dita é que o ato derradeiro da injeção letal é apenas o coroamento de um assassinato que veio sendo perpetrado nos últimos anos e para qual muitos concorreram. Talvez pela inexperiência em lidarem com uma situação tão complexa, as autoridades não tenham se dado conta que uma criança moradora de uma pequena cidade para ir ao fórum buscar ajuda é porque a situação chegara para ela além do suportável.

Talvez a maioria das pessoas não consigam entender que quando uma criança fica órfã ela precisa de mais carinho e atenção que os não órfãos isso porque, para elas – e não deixa de ser verdade –, nenhum um lugar é o seu lugar, ela torna-se uma estranha, intrusa em sua própria casa. No caso do pequeno Bernardo essa verdade tornou-se ainda mais presente por conta do ódio doentio que a madrasta nutria por ele e pela omissão cruel do pai. Este pai, ainda ale fique provado não teve participação direta no ato final de homicídio, é ele na verdade o assassino moral da criança, tão culpado quando o Nardoni que atirou a pequena Isabela pela janela do apartamento. Indo além talvez até pior, pois permitiu que a criança fosse torturada durante quatro longos anos.

Neste aspecto, o caso do pequeno Bernardo é um pouco diferente dos demais casos de assassinatos de crianças perpetrados pelos pais, embora nenhum menos odiento ou cruel. Nos demais, no caso da pequena Isabela, de 5 anos, no caso do pequeno Joaquim de 3 anos e tantos outros Brasil a fora, envolvendo as pessoas que tinham o dever de cuidar dos infantes, os crimes ocorreram num momento. No caso de Bernardo, não. A ele foi impingido o sofrimento do abandono, do desamor, da tortura, tornando este crime uma espécie de síntese da banalidade do mal.

Outro aspecto que chama atenção no caso é que foi perpetrado por pessoas que tinham como profissão a vocação para cuidar dos outros, um médico, uma enfermeira e uma assistente social. Os três envolvidos, direta ou indiretamente passaram anos na faculdade estudando para cuidar dos que mais necessitam, dos que precisam de amparo. E o que fazem? Torturam, matam, fazem pouco caso da vida humana pela qual deveriam zelar. Me pergunto que espécie de monstros nossas faculdades estão formando. Fizeram por dinheiro? Ao menos no caso da assistente social que auxiliou a madrasta, sim. Em seu depoimento consta que receberia R$ 90 mil reais, já recebera R$ 6 mil. Imagino uma assistente social se dirigindo por 15 meses, como se paga um crediário numa destas lojas populares, para receber prestação pelo crime horrendo. Não imagino o sentimento do pai ou da madrasta por que estes devem achar a coisa mais normal do mundo matar uma criança, ainda que filho ou enteado. Não estavam na balada após perpetrarem o crime? Caso o crime ficasse na impunidade é capaz que no dia de pagar a prestação do assassinato a crediário, dissessem um para o outro: “hoje é dia de pagar a aquela coisa”, relegando a vida humana de uma criança inocente a condição de “coisa”.

Sempre que vejo situações como estas, me pergunto: “Se são incapazes de cuidar, de amarem seus filhos porque os têm?” Na esteira deste último assassinato assisti ao caso de uma mãe acusada de maltratar seus filhos pelos vizinhos, torturando-os com o abandono, trancando-os para fora de casa e não os deixando entrar. Quando polícia a indagou sobre a conduta ela disse que podiam levar os filhos, pois não os queria a nenhum mesmo. Vejam a que ponto chegamos. Haverá algum limite para a maldade humana? No caso o termo “maldade humana” é mais um pleonasmo, as demais espécie de animais são incapazes de fazer isso com os seus. A regra é a da proteção, do amor, do cuidar.

Embora a conduta desta mãe pareça absurda e terrível, a ela poder-se-ia desculpar, atribuindo sua falta discernimento à sua falta de cultura, conhecimento, à sua própria condição de miséria à vida a foi condicionada desde sempre, ao ambiente hostil do abandono. Entretanto, o que dizer do advogado Nardoni, da psicóloga Nathália Ponte ou do médico Boldrini?

Pois é, os animais ditos ‘irracionais’ sabem que a pior sensação que se pode sentir é a sensação de não ser amado. Os humanos, tão arrogantes e senhores de si por serem a raça dominante ainda possui entre os seus integrantes aqueles que não aprenderam o significado disso. Infelizmente.

Seria tão fácil se não fosse assim. Amar não custa nada, não tira pedaço de ninguém. O amor não se gasta. É algo que quanto mais se usa mais tem. Digam o quanto amam os seus entes e pratiquem esse amor. Não permitamos que o amor seja a exceção e o mal a regra.

Uma feliz Páscoa para o Bernardo, a Isabela, o Joaquim e para tantos outros pequenos que perecem todos os dias em nosso Brasil.

Uma feliz Páscoa a todos.

Abdon Marinho é advogado.

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